26.7.12

O que é que vamos fazer ao interior do país?

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«Mais vale fecharem o interior!» é uma frase indignada que se tem ouvido muito nos últimos anos, em reação contra o encerramento de serviços em muitos concelhos do interior. À primeira vista, parece ser uma reação bastante exagerada. Mas, se pensarmos bem, não é assim tão despropositada. O que é que queremos, de facto, fazer com o interior do país?
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A razia populacional que o interior sofreu nas últimas décadas (em consequência da migração para o litoral e da emigração) foi impressionante: já só um quarto da população é que vive na parte do território que tecnicamente se designa por "interior" (e que corresponde à maior parte do país, graças à concentração de três quartos da população numa faixa de território estreita junto ao litoral), e, tal como revelaram os resultados dos Censos 2011, o processo de despovoamento do interior não só continua imparável, como se acentuou na última década.
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Apesar desta alteração profunda, a organização territorial dos serviços públicos pouco se alterou, o que, exclusivamente do ponto de vista da gestão de recursos, parece, de facto, não fazer grande sentido. Daí até ao encerramento de serviços (transportes públicos, urgências, hospitais, centros de saúde, escolas, polícias, maternidades, serviços de finanças, conservatórias, tribunais…) é apenas um pequeno passo.
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Suprimir serviços é a solução mais fácil para responder ao problema (até porque os eleitores do interior são cada vez menos e contam muito pouco a nível nacional), mas, na verdade, agrava-o. E este é um círculo vicioso que conduz, inelutavelmente, à sangria populacional do interior do país: além do desemprego gerado (que motiva a debandada de muitas pessoas), cada vez menos gente estará disposta a viver (cada vez mais) longe dos serviços públicos essenciais. E quanto menos gente houver no interior, mais serviços serão suprimidos. E quando se suprimirem mais serviços, mais gente abandonará o interior…
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Este efeito é amplificado pela supressão de serviços de transporte público (de pouco valendo argumentar-se, hipocritamente, que o critério de distribuição geográfica dos serviços – as pessoas não ficarem “a mais de x minutos” do serviço considerado – é igual em Lisboa, no Porto e nas restantes regiões, porque o litoral tem uma razoável oferta de transporte público, mas no interior ela é cada vez mais escassa). É muito mais numeroso do que por vezes se pensa (pensa?) o número de pessoas que não têm carro (ou que nem sequer têm carta de condução), por razões de saúde, de idade, financeiras, de falta de aptidão ou outras. Na prática, o que sucede para muitas pessoas é que os serviços pura e simplesmente deixam de estar acessíveis. Para muitas das restantes, o acesso é bastante dificultado.
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Portugal tem muitos desafios pela frente, mas este é, sem dúvida, um dos principais: o que é que queremos fazer com o interior do país? Continuamos a encerrar mais e mais serviços (fazendo precisamente o contrário da criação de condições para fixar pessoas no interior) e deixamos correr o processo de despovoamento, de braços cruzados, sem qualquer preocupação de delinear um plano estratégico sério de médio e longo prazo no sentido da fixação das populações?
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Quando os indicadores demográficos do interior atingirem níveis absurdos (em alguns casos, de populações muito envelhecidas, está-se muito perto disso), quando for absolutamente incomportável para o país manter tão grande porção de território com tão pouca gente, vendemos essa extensa parte do território português aos chineses, recuando a nossa fronteira até ao limite da estreita faixa litoral onde nos estamos alegremente a concentrar?
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É que – falando em números, que é o único tipo de linguagem que os moderníssimos governantes parecem entender –, suprimir serviços públicos no interior pode constituir uma opção racional de poupança de recursos a curto prazo; mas, a médio e longo prazo, o despovoamento que essa supressão ajuda a acentuar custa muito mais caro ao país (a todos nós).
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O problema de fundo mantém-se, portanto, sem solução à vista. Há uma coisa em que nós, portugueses, somos cada vez melhores: em responder aos problemas estruturais arquitetando soluções que os agravam. E dando-lhes o pomposo nome de «reformas estruturais»…
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