28.1.14

2014-2020: Prioridade à ferrovia?

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Em 2013, o Governo criou uma comissão para produzir um relatório sobre a definição dos projetos prioritários de “infraestruturas de elevado valor acrescentado” a executar no país até 2020. O relatório foi entregue ontem ao primeiro-ministro, e hoje foi noticiado que o documento propõe a prioridade de investimentos na ferrovia e nos portos – com maior peso na ferrovia.

«Dois objetivos fundamentais: (i) reequilibrar a quota de mercado entre todos os modos de transporte, e (ii) dissociar o crescimento da procura de transporte do crescimento económico geral».
[Para atingir os objetivos, enunciam-se] «sessenta medidas dos mais variados tipos (…). São medidas que visam, fundamentalmente, criar as condições para que as pessoas e as mercadorias sejam naturalmente direcionadas para o uso do transporte público».
«Para melhorar o equilíbrio da repartição modal, pretende-se que o modo ferroviário volte a desempenhar um papel central na mobilidade, uma maior utilização dos transportes marítimos e fluviais e um esforço mais significativo na promoção da intermodalidade».

Estas palavras não são transcritas do relatório ontem entregue, mas de um plano estratégico de transportes aprovado na década passada, na sequência da apresentação de um relatório feito por um outro grupo de trabalho, do qual também resultava a “prioridade” à ferrovia. A «aposta na rede ferroviária» encontra-se ainda noutros documentos e planos oficiais que foram sendo produzidos. E em muitas declarações de governantes. «Eu sempre disse que o comboio tem de ser uma primeira prioridade» - foi Ana Paula Vitorino que o disse em 2008, quando tinha a pasta dos transportes no Governo (um Governo que deu uma forte prioridade à rodovia), mas poderia ter sido outro governante, noutra data, até porque falar na “prioridade” da ferrovia (como do transporte público em geral) fica sempre bem nestes tempos em que o discurso da “mobilidade sustentável” se tornou moda.

Essa “prioridade” nunca saiu, porém, do papel, todos os governos sem exceção, desde Cavaco Silva, secundarizaram a ferrovia relativamente à rodovia e muitos quilómetros de linha férrea foram mesmo encerrados. Hoje, o país não tem uma rede ferroviária digna desse nome e nem sequer pode orgulhar-se de ter modernizado a sua principal linha férrea! A modernização da linha do Norte iniciou-se há quase 20 anos, e ficou-se pelos dois terços (entretanto, fez-se uma segunda autoestrada no mesmo eixo, quase integralmente construída em apenas meia dúzia de anos, e já está em funcionamento metade de uma terceira autoestrada).
  
A conclusão da modernização da linha do Norte (anunciada pela última vez em 2007, para estar concluída em 2011…) é um dos oito projetos ferroviários “prioritários” mencionados no relatório ontem apresentado. Outro é a modernização da linha do Oeste, também várias vezes definida como “prioritária” no passado (curiosamente, é uma das linhas que o atual Governo decidiu encerrar parcialmente em 2011). A conclusão da modernização da linha do Sul é outro. Linha do Algarve, linha do Minho, linha de Cascais e os eixos de mercadorias Sines-Badajoz e Aveiro-Vilar Formoso são os restantes (de acordo com as várias notícias que foram publicadas hoje na comunicação social).

O passado (e o historial de projetos anunciados mas nunca concretizados, mesmo por este Governo), bem como a atuação concreta deste Governo desde que tomou posse (que incluiu o fecho de mais quilómetros de linhas férreas, a degradação da qualidade do serviço oferecido na maior parte das linhas em funcionamento e um grande aumento das tarifas), aconselham-nos, pois, a desconfiar da “prioridade” à ferrovia anunciada pela enésima vez, no relatório encomendado pelo Governo. Realismo ou pessimismo? Só o futuro dirá. Ainda só estamos a falar de um documento que ainda vai ser sujeito a discussão pública, e não de decisões políticas concretas, com projetos calendarizados.

Por outro lado, a "prioridade" definida no relatório da comissão é a prioridade do transporte ferroviário de mercadorias, em detrimento do de passageiros (conforme foi noticiado). Em nome da "competitividade" e das "exportações". Não é, pois, de um verdadeiro relançamento da ferrovia nacional que se fala, aproveitando a oportunidade do Quadro Comunitário de Apoio 2014-2020.   

E num país que já gastou fortunas obscenas em autoestradas, o documento ainda propõe que se gastem mais 800 milhões de euros em duas autoestradas. Um dos projetos é a construção da autoestrada entre Coimbra e Viseu, por sinal… num eixo onde existe hoje uma das poucas ligações ferroviárias competitivas face à rodovia (linha da Beira Alta)...


(A seguir, neste blogue, algumas considerações sobre este relatório: ler aqui) 
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