6.5.15

Caminhos para os peregrinos: eis a solução

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Do Presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) não se ouviu, nos últimos dias, uma única palavra sobre a necessidade de os condutores conduzirem com velocidade moderada e máxima prudência nas estradas onde podem circular pessoas a pé. Mas lembrou-se de abrir a boca para dizer que a melhor solução, para evitar atropelamentos como o do passado sábado, seria a construção de caminhos, completamente separados do tráfego automóvel, para utilização nas peregrinações a Fátima – embora tenha reconhecido que uma tal solução é inviável (por serem muito numerosos os trajetos). Sem uma palavra sobre o comportamento dos automobilistas, aquele de quem se esperam soluções para a sinistralidade rodoviária preferiu falar numa solução inviável e, portanto, irrealizável.

Todos os dias há muitas pessoas a andar a pé pela estrada; 99,9% não se dirigem a Fátima. Dos atropelamentos ocorridos no país num ano, a percentagem de atropelados que são peregrinos de Fátima é seguramente ínfima. O problema não está na qualidade de peregrino ou de não peregrino de quem anda na estrada a pé. Construir caminhos para os peregrinos de Fátima não seria apenas inviável: não resolveria nenhum problema de fundo. Aumentaria a segurança dos peregrinos que os utilizassem. Mas não resolveria o problema de fundo. Há e haverá sempre muitas pessoas a andar a pé nas estradas. Durante todo o ano, e não apenas nos dias de peregrinações. A segregação não é possível. Impressiona que o Presidente da ANSR se tenha lembrado dela como sendo a "melhor solução".

Ainda esta semana, o Presidente da ANSR foi questionado, por jornalistas, sobre o facto de o número de mortos e de feridos graves em consequência de desastres de viação estar a aumentar em Portugal. Respondeu que há outros países da União Europeia que não conseguiram reduzir o número de mortos nas estradas em 2014, acrescentando: «isso está a chegar agora a Portugal, estamos a analisar os dados, tentar apurar as causas e tentar reforçar o combate às causas que levam a que isso aconteça, porque ainda não estão perfeitamente identificadas».

Aconteceu noutros países e «está a chegar agora a Portugal». No fundo, não tem a ver connosco. Tem origem noutros países. É uma importação! Portugal continua a ter dos piores números de sinistralidade rodoviária da Europa. E esses são mesmo nossos. Não são importados.

A ANSR está a “analisar os dados” e a “tentar apurar as causas”. A sinistralidade grave está a aumentar em Portugal desde há quase ano e meio. A ANSR ainda está a analisar. E a apurar.

A ANSR parece não saber o que fazer. Não há uma verdadeira estratégia de segurança rodoviária. Que se impunha que existisse mesmo que os números estivessem a baixar. A principal "estratégia" de segurança rodoviária do país nos últimos 20 anos foi construir autoestradas. A enorme melhoria das condições de segurança dos veículos (essa sim, importada) explicará grande parte da redução do número de vítimas entretanto conseguida.

Para acelerar o processo de “apuramento das causas”, sugere-se ao Presidente da ANSR um pequeno estágio nas estradas portuguesas, para observar como se conduz no nosso país. Melhor ainda: sugere-se que ande alguns quilómetros a pé numas estradas nacionais. Qualquer uma serve. Tenho a certeza de que rapidamente se fará mais luz no seu espírito.

O país desperta um pouco para o problema quando há um desastre com um número maior de vítimas. E adormece a seguir. Até ao seguinte. Os números têm destas coisas. Todos os dias há desastres graves. Nos últimos dias, pelo menos cinco pessoas morreram em Portugal na sequência de (outros) quatro atropelamentos. Cinco vítimas num só desastre dão direito a manifestações “de pesar” do primeiro-ministro e do presidente da república. Cinco vítimas diluídas em vários desastres não são merecedoras de um só comentário. Estes últimos casos são frequentes (logo, mais graves) e aqueles raros, e o país faz de conta. Vamos ver quanto tempo mais demorará a ANSR a “analisar” e a “apurar”. E a agir.
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