5.11.15

A “liberdade” de recusar a praxe académica


  
Excerto do filme documental “Praxis”, de Bruno Moraes Cabral, que em 2011 ganhou o prémio de melhor curta-metragem no DocLisboa. O documentário não é narrado e todas as imagens foram consentidas, isto é, todos (praxadores e praxados) sabiam que estavam a ser filmados. O filme está, desde há poucos dias, finalmente disponível na internet, por iniciativa do seu autor e da produtora. Pode ser visto aqui. 


Um estudo publicado há poucos anos, baseado em inquéritos feitos a estudantes universitários, concluiu que o número dos que tinham sido sujeitos à praxe (quase todos: 97%) era bastante superior ao dos que com ela concordavam. Só 38% achavam que a praxe se devia manter tal como estava. Quase metade dos estudantes considerava a praxe longa demais. 14% consideravam-na uma violência. 13% consideravam-na uma perda de tempo. E 24% viam a praxe com repulsa. Estes dados permitem presumir que muitos dos alunos participam na praxe (ou, pelo menos, em determinadas atividades da praxe) contrariados.

Mas não é praxado só quem quer, como não se cansam de dizer os seus executores?

Há poucos dias, foi lançado o livro “Desobedecer à praxe”, que o realizador do documentário acima referido, Bruno Moraes Cabral, escreveu com João Mineiro, sociólogo e membro da direção da Associação de Estudantes do ISCTE entre 2010 e 2015, e que abre justamente com a questão: à praxe só adere quem quer?

Em que medida é que a vontade do estudante de não ser praxado é respeitada?

São poucos os casos em que um simples “não” dito por um estudante que não quer ser praxado basta para que a sua vontade seja respeitada. Abundam os casos em que se exige a entrega de declarações escritas e assinadas (acompanhadas ou não de outras exigências) ou em que a não sujeição à praxe depende mesmo de um pedido e de uma decisão favorável de um organismo de praxe. Para um estudante acabado de entrar no ensino superior, a pressão para que adira à praxe é enorme, roçando os limites da coação, sendo a liberdade de aderir pouco mais do que meramente formal. Desde a ameaça de práticas de natureza fascista como a publicação de listas ou a afixação pública de fotografias de quem não quiser ser praxado, à cominação mafiosa da "exclusão de toda a vida académica" até ao final do curso (e até da impossibilidade de o estudante ser sócio de associações académicas), tudo serve para intimidar o novo estudante e forçá-lo à praxe. A hipocrisia reina: os que defendem a praxe como “simples” prática de “integração” dos novos estudantes na vida académica são os mesmos que não hesitam em ameaçar práticas de segregação sobre quem, mesmo que se deseje integrar, simplesmente não se quer sujeitar à praxe.
Por outro lado, o estudante que se sujeita à praxe não é livre de recusar participar em algumas das atividades da praxe - por exemplo, que considere humilhantes. E o direito de desistir da praxe por mera manifestação de vontade nesse sentido normalmente não é respeitado: mais uma vez, não basta um simples “não”.

Esta realidade está espelhada em dezenas de “códigos de praxe” que tive a oportunidade de consultar:

(estes códigos de praxe estão repletos de ilegalidades; mas não é expectável que os estudantes recém-entrados no ensino superior o saibam) 

1. Há vários códigos de praxe (uma minoria) que não reconhecem ao estudante o direito de não ser praxado. Limitam-se a proclamar que todos os estudantes caloiros estão «vinculados» à praxe.

2. Entre os códigos de praxe que “reconhecem” ao estudante o direito de não ser praxado, são raros os que não lhe colocam rótulos (só encontrei dois: Universidade de Aveiro e Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro). O rótulo mais comum é «Anti-praxe», um qualificativo absurdo, porque o estudante pode não ser contra a praxe, mas não querer, ainda assim, submeter-se a ela, pelos mais variados motivos (até de saúde), com os quais ninguém tem nada a ver. Outros códigos recorrem a outros qualificativos, que vão desde o «Bicho-do-M.A.T.A.» (ISCAL) até ao ridículo «Anti-académico» (FEUP). Todos os rótulos destinam-se, de alguma forma, a menosprezar o estudante que simplesmente exerce o seu direito de não ser praxado.

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