Ontem, menos de um ano depois da
petição lançada por Mónica Barbosa para que a lei fosse cumprida nos hospitais
públicos, foi publicado, pelo Ministério da Saúde, um despacho sobre o assunto,
na sequência da resolução aprovada há dois meses na Assembleia da República.
O diploma publicado concede às
instituições hospitalares um prazo de três meses para implementarem “as medidas
necessárias ao cumprimento do disposto no presente despacho”. Isto vai muito provavelmente
ser interpretado como uma dispensa de cumprimento da lei durante mais três
meses, o que é inaceitável, além de ilegal, porque um despacho, de valor
infra-legal, não pode suspender a aplicação de uma lei. A maior parte (para não
dizer todas) das instituições hospitalares públicas tem atualmente condições
para garantir o direito da grávida ao acompanhamento no parto por cesariana.
Não há razões para que a lei não esteja já a ser cumprida.
Dir-se-ia que quem já esperou mais de 30 anos (o direito está reconhecido na lei desde 1985), pode esperar mais três meses. Não é bem assim: que o digam as grávidas que derem à luz nos próximos três meses. E a verdade é que o despacho vem exigir
às instituições hospitalares a criação de determinadas condições “necessárias”
ao exercício do direito, incluindo “a definição de um circuito em que o/a
acompanhante possa movimentar-se, sem colocar em causa a privacidade de outras
utentes nem o funcionamento do serviço”. É de temer que, no futuro, o direito de acompanhamento continue a
ser recusado nos hospitais públicos, com fundamento em que “não estão asseguradas
as condições” necessárias. Havendo diretores clínicos inequivocamente contra o exercício do direito de acompanhamento (veja-se, por exemplo, as infelizes declarações
públicas recentes do diretor clínico do hospital de Santa Maria), temos razões para ficarmos pessimistas. Espero estar enganado.
De resto, volta-se a fazer
alguma confusão quanto à natureza deste direito, ao falar-se no “estatuto de
maior relevo” que se atribui ao futuro pai, enquanto acompanhante da
parturiente, e em "melhores condições de exercício da parentalidade” por parte dos
futuros pais. Não há volta a dar: este direito não é do pai da criança,
mas sim da mulher grávida. É a parturiente, e apenas ela, que tem o direito de
escolher uma pessoa para a acompanhar durante o trabalho de parto. Essa pessoa será
normalmente o pai. Mas pode não ser. E convém que não se dê a entender coisa
diferente – nomeadamente, que a grávida só pode escolher outra pessoa se não puder
escolher o pai da criança. Ou que este tem o direito de estar presente. Não tem.
Nem pode ter, por muito justo que fosse tê-lo.
A ver vamos se em 14 de julho
de 2016 (fim do prazo de três meses) a lei já estará a ser cumprida em todos os
hospitais públicos (uma vez que todos ou quase todos os hospitais privados já a
cumprem). Só então saberemos se temos razões para festejar.
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