27.9.16

A Mona Lisa e eu



Uma das atrações suplementares do Museu do Louvre é a corrida à Mona Lisa. De acordo com os números revelados num documentário recente do canal ARTE, cerca de metade dos dez milhões de visitantes/ano só entra no Louvre para ver a Mona Lisa. O Louvre tem uma coleção espantosa de obras de arte e de peças de arqueologia. Mas é vê-los a transpor os torniquetes da entrada, de máquina fotográfica em riste, a avançar em passo apressado, passando indiferentes ao lado de magníficas obras, atropelando outros visitantes, subindo impacientemente as escadas e dirigindo-se enfim à sala onde a Mona Lisa está exposta. Da última vez que visitei o Louvre, já havia, neste percurso desde a entrada do museu, setas a indicar o caminho para a Mona Lisa.

Na sala onde a Gioconda está exposta há outras obras-primas, desprezadas por grande parte dos visitantes, concentrando a sua atenção na Mona Lisa. Concentrando a sua atenção é uma força de expressão. O melhor da corrida à Mona Lisa é o final. Quando finalmente se encontram em frente ao famoso quadro, muitas destas pessoas nem uns segundos se dedicam a observá-lo. Mal chegam ao pé da obra, a prioridade absoluta é tirar uma fotografia. Ao quadro e a elas e ao quadro. Sobretudo a elas e ao quadro. De forma que viram as costas à Gioconda para a fotografia. Fotografia tirada, apreciam no ecrã o resultado entre comentários de satisfação. E já está.

Tirei esta fotografia - na qual contei 5 pessoas a olhar para o quadro - um ano antes de chegar a moda dos autorretratos a que agora dão o nome de “selfies”. E foi ao ver a impressionante fotografia tirada esta semana numa ação de campanha de Hillary Clinton (ver aqui) que me pus a imaginar a corrida à Mona Lisa na era pós-“selfies”. E imagino, estarrecido, os visitantes todos de costas para o quadro para tirar uma “selfie”. É difícil conceber imagem mais absurda num museu. Mas se pensarmos bem nada de substancial mudou. Agora o absurdo é apenas mais óbvio; se alguma vantagem trouxe a mania das “selfies”, foi essa.

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